Apocalipse: Poesia, denúncia e pronúncia!
Acabei de ler mais uma vez o Livro do Apocalipse.
Extraordinária leitura! E mais uma vez, a impressão que ficou para mim é a de
que o céu é e sempre será obra de um Deus todo poderoso, mas, paradoxalmente,
esse Deus nos chama a construí-lo a cada dia, com uma vida dedicada ao seu
Reino.
Nesta
leitura, após algumas dezenas de vezes, descobri poesia, denúncia e pronúncia!
Na minha redescoberta do Apocalipse fui fisgado por
algumas chaves de leituras. A primeira delas e a que mais salta aos olhos é a
poesia. O livro das Revelações é poesia do início ao fim. A prosa quase não
encontra lugar. É um mundo que emerge da capacidade imaginativa do seu autor
como moldura e, constantemente, somos brindados com cânticos que provavelmente,
eram entoados pelas comunidades oprimidas da Ásia Menor como este que está
incrustado no capítulo onze. "Graças
te damos, Senhor Deus todo-poderoso, que és e que eras, porque assumiste o teu
grande poder e começaste a reinar. As nações se iraram; e chegou a tua ira.
Chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares os teus servos, os
profetas, os teus santos e os que temem o teu nome, tanto pequenos como
grandes, e de destruir os que destroem a terra". Para entender a
mensagem do derradeiro livro da Bíblia é preciso estar munido de sensibilidade
poética e se deixar embalar pelas melodias ora tristes, ora alegres, às vezes
introspectivas, outras triunfantes e, sobretudo pelo silêncio
Lamento profundamente pelos que não conseguem ver o
apocalipse como um livro de poesia e de Esperança. Apesar de todo o realismo
sangrento que visita as páginas do livro, ele é completamente tomado pela
certeza de que Deus tem o controle da história e tudo acabará bem. Diante das
agruras provocadas pela sociedade anti-reino, não podemos nos desesperar. Deus está
sempre ao lado daqueles que se alinharam com seu projeto de um mundo de paz e
justiça. Mas, se por um lado essa esperança está amparada na certeza do
controle divino sobre a história, por outro lado, o Apocalipse nos conclama a
encarar a vida como o palco da luta do bem contra o mal e da nossa participação
neste embate. Longe de ser aquela esperança alienada, bem característica dos
vários grupos fatalistas, é uma esperança engajada e comprometida com a
promoção da justiça e da fraternidade. Parafraseando o escritor da carta aos
Hebreus: “na vossa luta contra o mal, ainda não resististes até o sangue”.
Desse modo, “é preciso saber viver”, sobretudo
viver com dupla cidadania, a terrestre e a celeste. Assim, em tempos de crise,
onde tudo se esmaga tudo se achata, tudo se reduz, onde tragédias acometem pais
de família, não devemos, nem podemos, confundir o reino terrestre com o Reino celeste.
É preciso evocar as palavras de santo Agostinho: “a cidade de Deus, não é a
cidade dos homens”.
Na verdade toda denúncia, sobre o que é irregular
no reino terrestre, como a que faz o profeta oséas: "Ouvi a palavra do Senhor... pois o Senhor tem uma contenda com os
habitantes da terra; porque na terra não há verdade, nem benignidade, nem
conhecimento de Deus. Sim, na terra só prevalecem o perjurar, o mentir, o
matar, o furtar, e o adulterar; há violências e homicídios sobre homicídios.
Por isso a terra se lamenta, e todo o que nela mora desfalece, juntamente com
os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem de
dor.", é também uma pronúncia de como é no Reino de Deus.
Logo os que são movidos pela esperança e certeza
que nada foge ao controle do Todo Poderoso, podem viver, mesmo em tempos de
crise, com dignidade, felicidade e prosperidade (Sl 128.2). O que redunda em
viver com maestria e poesia na certeza de que o Reino de Deus “não é comida nem
bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. Romanos 14.17.
Essa certeza me faz lembrar as palavras de Pierre
Teilhard de Chardin "Não somos seres humanos passando por uma experiência
espiritual... Somos seres espirituais passando por uma experiência humana...”
Penso
que, imbuídos desta tríade: Poesia, Denúncia e Pronúncia, seremos capazes de
aproximar-nos adequadamente do universo que envolveu o prisioneiro de Patmos
que, mesmo preso pelo império, viu o que só poderia ser visto pelos que são do
Reino, que não terá fim.
Jesiel Cruz
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